
Que conceito afinal devemos ter sobre "ser espírita"?
Será
coerente e proveitoso admitirmos, junto aos roteiros educativos da
Doutrina Espírita, a figura tradicional do "religioso não-praticante"?
Será que devemos oficializar essa expressão a fim de prestigiar aqueles que ainda não se julgam espíritas?
Essas
são mais algumas indagações a cogitar na formação de uma idéia mais
lúcida sobre a natureza da proposta educativa do Espiritismo para a
humanidade.
Ouve-se,
com certa freqüência nos ambientes doutrinários, algumas frases que
expressam dúbias interpretações sobre o que seja "ser espírita".
Companheiros que ainda não se sentem devidamente ajustados aos
parâmetros propostos pelos roteiros da codificação dizem: "ainda não sou
espírita, estou tentando!", outros, desejosos em amealhar algum crédito
de aceitação nos grupos, dizem: "quem sou eu para ser espírita?!",
"Quem sabe um dia serei!".
Com
todo respeito a quaisquer formas de manifestar sobre o assunto, não
podemos deixar de alertar que somente uma incoerência de conceitos pode
ensejar idéias dessa natureza, agravadas pela possibilidade de estarmos
prestigiando o indesejável perfil do "ativista não-praticante", aquele
que adere à filosofia mas não assume em si mesmo os compromissos que ela
propõe.
"Ser
espírita" é algo muito dinâmico e pluridimensional; tentar enquadrar
esse conceito em padrões rígidos é repetir velhos procedimentos das
práticas exteriores do religiosismo milenar.
Nossas
vivências nesse setor levaram-nos a adotar, como "critério de
validade", alguns parâmetros muito vagos e dogmáticos para aferir quem
seria verdadeiramente seguidor do bem e da mensagem do Cristo.
Parâmetros
com os quais procuramos fugir das responsabilidades através da criação
de artifícios para a consciência, gerando facilidades de toda espécie
através de rituais e cerimônias que entronizaram o menor esforço nos
caminhos da espiritualização humana.
Ser
espírita é ser melhor hoje do que ontem, e buscar amanhã ser melhor do
que hoje; é errar menos e acertar mais; é esforçar pelo domínio das más
inclinações e transformar-se moralmente, conforme destaca Kardec. Nessa
ótica, temos que admitir uma classificação muitíssimo maleável para
considerar quem é e quem não é espírita.
Façamos
assim algumas reflexões puramente didáticas sobre esse tema, sem
qualquer pretensão de conclui-lo, mas com intenção cristalina de
"problematizar" nossos debates fraternos. Tomemos por base o tema da
transformação íntima, o qual deve sempre ser a referência prioritária na
melhor assimilação do que propõe a finalidade do Espiritismo.
1 - Em primeira etapa, chega-se à casa espírita.
2 - Em uma segunda etapa, o conhecimento doutrinário penetra os meandros da inteligência,
3
- e na terceira fase, a mais significativa, o Espiritismo brota de
dentro dela para espraiar-se no meio onde atua, gerando crescimento e
progresso.
São três etapas naturais que obedecem ao espírito de seqüência da qual ninguém escapa.
Fases
para as quais jamais poderemos definir critérios de tempo e expectativa
para alguém, a não ser para nós próprios. Fases que geram
responsabilidade a cada instante de contato com as Verdades imortais,
mas que são determinadas, única e exclusivamente, pela consciência
individual, não sendo prudente estabelecer o que se espera desse ou
daquele coração, porque cada qual enfrentará lutas muito diversificadas
nos campos da vida interior.
Portanto,
o critério moral deve preponderar a qualquer noção pela qual essa ou
aquela pessoa utilize para se considerar espírita.
Nessa
ótica encontramos o "espírita da ação", aquele batalhador, tarefeiro,
doador de bênçãos, estudioso, que movimenta em torno das práticas.
Temos
também o "espírita da reação", aquele que reage de modo renovado aos
testes da vida em razão de estar aplicando-se afanosamente à melhoria de
si mesmo.
Sem
desejar criar rótulos e limitações indesejáveis, digamos que o primeiro
está conectado com o movimento espírita, enquanto o segundo com a
mensagem espírita. O movimento é a ação dos homens na comunidade,
enquanto a mensagem é a essência daquilo que podemos trazer para a
intimidade a partir dessa movimentação com o meio. O ideal é que,
através da "escola" da ação no bem, se consolide o aprendizado das
reações harmonizadas na formação da personalidade ajustada com a Lei
Natural do amor.
O
espírita não é reconhecido somente nos instantes em que encanta a
multidão com sua fala ou quando arrecada gêneros na campanha do quilo,
ou ainda por sua lavra inspirada na divulgação, ou mesmo pela tarefa de
direção.
Essas
são ações espíritas salutares e preparatórias para o desenvolvimento de
valores na alma, mas o serviço transformador do campo íntimo, que
qualifica o perfil moral do autêntico espírita, é medido pelo modo de
reagir às circunstâncias da existência, pelo qual testemunha a
intensidade dos esforços renovadores de progresso e crescimento a que se
tem ajustado.
Pelas
reações mensuramos se estamos ou não assimilando no mundo íntimo as
lições preciosas da espiritualização. A ação avalia nossas disposições
periféricas de melhoria, todavia somente as reações são o resultado das
mudanças profundas que, somente em situações adversas ou na convivência
com os contrários, temos como aquilatar em que níveis se encontram.
Melhor
seria que não aderíssemos à idéia incoerente do "espírita
não-praticante" para não estimular as fantasias do menor esforço que
ainda são fortes tendências de nossas vivências espirituais.
A
definição por um posicionamento transparente nessa questão será uma
forma de estimular nossa caminhada. Razão pela qual devemos ser claros e
sem subterfúgios ao declarar nossa posição frente aos imperativos da
vivência espírita.
A
costumeira expressão: "estou tentando ser espírita", na maioria das
ocasiões, é mecanismo psicológico de fuga da responsabilidade, é a
criatura que sabe que não está fazendo tanto quanto deveria, conforme
seus ditames conscienciais, se justificando perante si mesmo e os
outros.
Libertemo-nos
das capas e máscaras e cultivemos nas agremiações kardequianas o mais
límpido diálogo sobre nossas necessidades e qualidades nas lutas pelo
aperfeiçoamento. Formaremos assim uma "corrente de autenticidade e luz"
que se reverterá em vigorosa fonte de estímulo e consolo às angústias do
crescimento espiritual.
Deixemos
de lado essa necessidade insensata de definirmos conceitos estreitos e
"padrões engessados" que não auxiliam a sermos melhores que somos.
Aceitemos nossas imperfeições e devotemo-nos com sinceridade e
equilíbrio ao processo renovador.
Estejamos
convictos de um ponto em matéria de melhoria espiritual: só faremos e
seremos aquilo que conseguimos, nem mais nem menos. O importante é que
sejamos o que somos, sem essa necessidade injustificável de ficar
criando rótulos para nossos estilos ou formas de ser.
Certamente
em razão disso o baluarte dos Gentios asseverou em sua carta aos
Corintios, capítulo 15 versículos 9 e 10: "Não sou digno de ser chamado
apóstolo, mas, pela graça de Deus, já sou o que sou. "
(Espírito Ermance Dufaux)
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